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domingo, 23 de novembro de 2014

Marrie


  Capitulo 1
      Linhas tortas



25 anos se passaram, e Marrie estava decidida. As duvidas e acontecimentos em sua vida precisavam de explicação, e ela perdeu tempo de mais tentando esquecer.

A gente desiste de muito por pessoas que não dariam um segundo por nós. - Pensou.

As fotos na parede, aquele abajur, aquela casa, era demais para ela agora, e ela sabia que teria que deixar tudo para traz. Pegou a mala, uma foto de Joana já envelhecida, era a única lembrança de sua irmã, a foto foi tirada quando ela tinha apenas 3 anos, dois anos antes de seu desaparecimento junto à mãe. Mas era essa uma das histórias que ela não queria se lembrar agora.

Jogou a foto de Victor na lareira, e desejou do fundo do coração com que as lembranças e os anos ao lado dele fossem apagados com as chamas. Se lembrou das brigas, e teve saudades da filha que perdera no divórcio e que hoje completaria 5 anos de idade, se o acidente não tivesse vindo. 
Sua linha de raciocínio foi interrompida com a buzina do táxi que a esperava, de uma vez por todas, ela mudaria seu rumo, ela buscaria respostas.

Algumas horas se passaram quando o avião pousou em Londres, Marrie desceu cabisbaixa, quando sentiu a neve tocar sua pele. O frio era intenso naquela tarde de inverno, comprou um café e chamou um táxi. Mostrou a ele o envelope da carta onde continha um endereço...

"Querida Marrie, sei que faz tempo, e que muitas coisas mudaram sua vida, mas acho que você deveria saber da verdade, venha até mim, estou com saudades, quero te explicar o porque nunca tive a chance de te ver.”

Beijos Papai."

Ao chegar no endereço do envelope, Marrie foi surpreendida com uma velha sapataria. Bateu mas não obteve respostas, a mulher ao lado que varria a calçada disse a ela que o dono da sapataria havia morrido ha algum tempo, mas que parecia que o homem deixara um filho, ela deu a Marrie um papel com o endereço da família de Joseph, o dono da sapataria.
Marrie deixou pensativa a antiga loja, pelo caminho leu e releu aquela carta, e se perguntou se seu pai sabia que iria morrer quando lhe enviou, ou se o seu ultimo desejo foi conhecer a filha, um vazio tomou o estomago ao pensar que a culpa de nunca conhecer seu pai era dela, se arrependeu amargamente por não ter vindo antes, por ter tido medo de saber das respostas. 
Abriu a porta do quarto de hotel, jogou as melas em um canto, tirou os casacos, respirou fundo e com o olhar turvo pelas lágrimas colocou o papel com o endereço da escrivaninha ao lado da cama onde se deitou, sentia sua cabeça pesar dez quilos a mais, era para aquela viagem ser um sonho realizado, conhecer o pai era uma ideia de um novo recomeço, mas agora tudo estava perdido novamente, ela sabia que poderia ter um irmão, que o pai poderia ter se casado novamente, mas nada iria tirar a dor que estava em seu peito agora.
Marrie tomou um banho para se recuperar, ela não tinha ninguém para confortá-la agora, mas ela já sabia como era ter essa dor em seu peito, mas não dá para se acostumar com a dor da perda, mesmo que o tempo passe, ela sempre estará presente, não importa o que você faça, esse vazio vai te acompanhar pelo resto de sua vida, como uma sentença, como uma sombra.
Deitou a cabeça no travesseiro, já era tarde, ela não sentia fome e nem sono, mas estava exausta, havia sido um dia cheio e seu corpo doía dos pés a cabeça, o que fez com que Marrie adormecesse rápido, em um sono envolvente e repousante. 


Capitulo 2
Esperança



Marrie abriu os olhos de vagar, demorou um pouco para se lembrar onde estava, e quando se lembrou a dor tomou novamente seu peito, fechou os olhos e respirou fundo, ela já havia passado por isso tantas vezes, ela sabia que não seria fácil, mas mesmo assim levantou-se, tomou um banho, fez um chá e sentou na varanda do seu quarto de hotel. O dia estava nublado e chuvoso, o vento frio fez com que sua pele se arrepiasse, o barulho das árvores fez com que ela viajasse, para um passado distante, para sua lua de meu com Victor, ela lembrou do quão doce ele era, e o como ele a fazia rir com suas piadas bobas. 

_Somos idiotas quando amamos cegos e idiotas – pensou. 

O chá acabou, e no caminho até a pequena cozinha ela esbarrou com o pedaço de papel, com o endereço da família de seu pai. Vestiu um leve vestido azul com flores brancas e colocou seu sobretudo bege, pegou um velho guarda chuvas e saiu. 

Ao chegar no endereço, uma casa branca, portas e janelas de madeira, respirou fundo e tocou a campainha. 

_Não quero nada, vá em borá! – respondeu grosseiramente uma mulher alta e magra, os cabelos tingidos de vermelho e rugas salientes próximas aos olhos. 

_Não sou vendedora, vim buscar informações sobre meu pai. – Respondeu rapidamente Marrie. 

_Então minha queridinha, acho que você errou de casa, não mora nenhum homem nessa casa, somente eu! – Disse a mulher sem muita paciência. 

_Por favor, preciso de alguma informação, meu pai era dono da antiga loja na avenida principal, ou até onde eu sei, não sei mais nada sobre ele. 

_Você está dizendo que é filha do Leonard? – Disse a mulher com outra expressão na face. 

_Bem eu não sei, só sei que ele me enviou uma pequena carta, com o endereço da loja. – Disse Marrie, tentando explicar 

_Entendo, queira entrar minha criança, temos muito para conversar. 

Marrie entrou na casa, o lugar tinha cheiro de velho, os móveis eram rústicos e a decoração não muito agradável, cheirava a cigarro. 

_Sente-se minha criança. Quer um cigarro? – Disse a mulher estendendo a Marrie o maço. 

_Não, obrigada, eu não fumo! – Respondeu Marrie enquanto se sentava em um sofá de couro velho. 

_Qual o seu nome minha querida? – Perguntou a mulher enquanto acendia um cigarro. 

_Me chama Marrie, e a senhora? 

_Sou Marcelia, meu marido e seu pai eram amigos, os dois eram donos daquela velha loja, até meu marido falecer, então Leonard ficou com a loja. 

_Sabe se meu pai está bem? 

_A tempos eu não tenho noticias dele, mas tenho em algum lugar o endereço de seu pai. Quando o encontrar eu lhe entrego. Mas me diga mais sobre você minha criança.– Disse Marcelia revirando uma caixa na escrivaninha. 

Marrie sentiu a dor partir de seu peito, deixando o ato de respirar mais fácil. 

_Bem... Minha mãe e minha irmã desapareceram quando eu tinha apenas 5 anos, fui criada com minha avó, depois da morte dela fui casada por mais ou menos dois anos, tive uma filha, mas meu casamento não deu certo e após o divórcio meu ex marido e minha filha morreram em um acidente de carro, e agora estou a procura de meu pai. 

Após ouvir aquelas palavras a mulher mudou radicalmente de expressão, ficou pasma, e por um instante Marrie achou ter visto lágrimas em seus olhos. 

Após respirar fundo Marcelia deu um ultimo trago e disse _ Pode me dar seu endereço, assim que encontrar o papel vou lhe entregar. 

_Claro, por favor, assim que encontrar me passe o endereço de meu pai?! – Disse Marrie entregando a Marcelia um papel com o seu endereço. 

Marrie saiu daquela casa mais aliviada, com esperanças de encontrar seu pai, e podendo agora apreciar a aquelas lindas paisagens.
Ela então decide andar pela cidade, mas não os pontos turísticos como todos costumam ir, ela queria apenas andar por ai e sentir como se não tivesse uma bagagem pesada de um passado conturbado para carregar sempre aonde fosse.
Estar com Clara agora, era o que ela mais desejava, ver os olhos da filha brilharem ao deslumbrar a beleza de Londres naquele Outono chuvoso, onde as folhas das arvores caíam com o vento e as calçadas quase sempre tinham poças d’agua que refletiam o cinza do céu.

Lembrou-se de quando era apenas uma criança, todos os dias a avó a levava para passear em uma praça onde havia um lago, mas o que ela mais gostava era dos dias chuvosos, que para ela eram os melhores. Amava vestir seus casacos e suas galochas e pular em poças d’agua para ver molhar o que havia ao redor.
Ao passar por uma rua repleta de prédios altos, Marrie decidiu parar para tomar um chá, ela concordava que para dias como aqueles, uma bebida quente era o melhor complemento.
A cidade era linda, e Marrie se via agora olhando para o famoso relógio de Big Ben; ela havia pensado em evitar multidões, mas foi atraída pela beleza do lugar, o sol que estava se pondo refletia na ponta da torre, mas o mais lindo foi ver o alaranjado do céu que a pouco tinha se aberto para mostrar seu espetáculo final, refletido na água do rio que cortava a cidade.

Estava tão distraída com aquele espetáculo que só percebeu o que fizera quando sentiu o quente do chá escorrer pelas suas mãos e casaco, então percebeu que havia esbarrado em um homem que olhava para ela esperando alguma reação.

_Meu Deus! Onde estou com a cabeça? Desculpe-me moço. – Disse Marrie enquanto tentava limpar um pouco do chá que derramara na jaqueta daquele desconhecido.

_Ah... tudo bem, acontece direto comigo. – disse o homem com um sorrisinho sem graça. – Sou Pietro, e você não deve ser daqui não é mesmo?

_Como sabe? Tenho cara de turista?

_Na verdade tem sim, mas é mais pelo fato de que normalmente quem não está acostumado com tanta beleza desse lugar, as vezes acaba esbarrando sem querer em alguém pela rua. – falou Pietro com um tom cômico.

_Me desculpe, nem me apresentei. Sou Marrie de Nova York. – Marrie sorriu enquanto estendia a mão para cumprimentar Pietro.

_Então Marrie de Nova York, aceita sair hoje á noite para conhecer gente nova? Acho que vai te fazer bem!

Marrie olhou para baixo e pensou por um segundo. Estivera tão envolvida em achar respostas que nem se preocupou em ter uma vida social.
Ergueu a cabeça e com um sorriso e cerrar de olhos disse sim a Pietro, que em seguida entregou um cartão de um bar.
– Te vejo lá, Marrie de Nova York. E saiu andando pelas ruas com as roupas manchadas de chá.


Marrie percebeu que havia um sorriso bobo em seu rosto, que a acompanhou a conversa toda. Era estranho saber que a mulher retraída e envergonhada que sempre fora, agora iria sair com um cara que conhecera a três minutos atrás, se sentiu feliz por ter algum programa para a noite, pegou um taxi e voltou para o hotel.


Capitulo 3
Não fale com estranhos!


Já eram quase nove horas quando Marrie ouviu a buzina do taxi lá fora, se olhou no espelho mais uma vez, seus olhos se destacavam perante toda composição de tons de preto do vestido e prata das joias, usava um colar de prata com uma pequena esmeralda no pingente, o mesmo ela havia ganhado da avó quando completou 15 anos de idade, e guardava com amor desde então. Seus sapatos também pretos em tom fosco com um pequeno salto, dava a ela uma linda postura. Pegou sua bolsa que estava jogada na cama e saiu, sem imaginar como seria seu retorno.
Ao chegar no endereço, parecia um lugar legal com uma decoração moderna, na parte da frente uma placa neon com um nome em destaque, South. Ao entrar percebeu que haviam várias pessoas rindo alto e bebendo, ela não saberia dizer de quem era a musica que tocava pois era acostumada a ouvir musica clássica e as vezes uns blues.
Quando olhou para uma mesa repleta de gente, reconheceu Pietro, agora com uma outra jaqueta, dessa vez de couro. Pietro era um homem alto com a barba por fazer, tinha olhos castanhos e usava óculos de grau, algo que Marrie não havia percebido da primeira vez.
Ele então notou que Marrie havia chegado, foi em direção a ela com um copo de cerveja na mão.
_ Você veio, Marrie de Nova York.  –Disse ele cumprimentando-a com um beijo no rosto.
_Bem, achei que você tinha razão, eu realmente precisava conhecer gente nova.
Ele a levou a mesa aonde estava quando ela entrou.
_Pessoal essa é Marrie de Nova York, ela é nova por aqui então deem boas vindas a ela.
Enquanto Pietro apresentava cada um que estava naquela mesa, Marrie se sentia mais tranquila ao saber que não era a única mulher no grupo e que eles não iam exclui-la da conversa.
Uma hora e três copos de cerveja depois, Marrie se sentia uma adolescente novamente. Se contassem a ela de manhã que naquela noite ela estaria em uma mesa rodeada de pessoas que não conhecia conversando tranquilamente com eles, ela jamais acreditaria.
_Então Marrie, fale mais sobre você. – Falou Elena, uma mulher alta, cabelos tingidos de vermelho, usava uma blusa de mangas transparentes onde dava para notar seu braço repletos de tatuagens.
_Bem, não tenho uma vida tão interessante para entreter vocês, mas já fiz faculdade de enfermagem, meu sonho era ser médica futuramente.
_E por que não seguiu carreira? – Indagou Pietro.
_Fiquei grávida no ultimo ano de faculdade, e quando era para segurar o diploma, eu segurava minha filha nos braços.
_Você não tinha dito que era mãe, onde está sua filha agora? –Perguntou Elena depois de beber mais um gole de cerveja.
Marrie sentiu uma dor no peito, não queria lembrar de tudo novamente, ela estava lá para esquecer, mas parecia que não importava o quanto ela tentasse, aquela era a cruz que ela teria de carregar.
_Ela morreu em um acidente de carro, junto com meu ex-marido.
Por um segundo a mesa fez silêncio.
_Sinto muito Marrie! – Foi tudo o que Pietro conseguiu dizer.
Era por volta das duas da manhã quando Marrie chegou no hotel, havia pegado carona com Pietro. Ela sentia a cabeça girar, não era acostumada a beber tanto quanto bebeu aquela noite, não conseguia ao menos pensar direito, se sentia muito zonza para isso.
_Venha vou te levar para seu quarto, lembra o numero? – Perguntou Pietro enquanto segurava Marrie pela cintura.
_Está no cartão, dentro do bolso do casaco.
Eles entraram no elevador e Pietro colocou a mão em seu casaco para pegar o cartão do quarto.
_Pronto! Quarto 37 –Pietro abriu a porta e ajudou Marrie a entrar.
Ao fechar a porta, Marrie se virou e colocou a bolsa na mesa ao lado da cama onde havia um vaso de flor e um livro que Marrie veio lendo no avião. Ela se sentou na cama e passou a mão no rosto esperando que isso ajudasse a se sentir melhor.
_Bem, obrigada pela noite! Nós poderíamos sair mais vezes, seus amigos são bem legais e eu me diverti muito essa... Suas palavras foram interrompidas quando Pietro colocou a mão em seu pescoço e a beijou.
_Pare! Eu não quero nada disso! –Disse Marrie enquanto tentava tirar a mão de Pietro que deslizava pelo seu corpo.
_Seja mais maleável querida, não foi você que disse que estava aqui para esquecer o passado? Ótima forma de recomeçar aproveitando a vida, relaxa! –Pietro tentava tirar seu vestido quando Marrie deu um tapa em seu rosto.
_Saia de cima de mim! Já disse que não quero nada!
_Achou mesmo que iria sair comigo e não pagaria um preço por isso, fiz você se divertir essa noite, agora vai ter que retribuir o favor!
Pietro segurou os braços de Marrie enquanto arrancava seu vestido e a beijava a força. Ela se debatia e tentava livrar seus braços enquanto tentava gritar e Pietro colocou a mão em sua boca quando Marrie soltou um de seus braço, pegou o vaso de flor da escrivaninha e quebrou-o no rosto de Pietro. Os cacos se espalharam pelo quarto, do rosto de Pietro começou a escorrer sangue.
_Sua prostituta barata isso não vai ficar assim! Vou cobrar o dobro daquela ordinária por ter me mandado aqui com você.
Pietro saiu correndo com a mão no rosto tentando estancar o sangramento. Marrie não entendeu o que ele quis dizer com aquelas palavras, como alguém poderia ter planejado tudo aquilo?

Ela sentiu a cabeça pesar e em questão de segundos estava completamente apagada em sua cama.